RECONHECIMENTO POR FOTO NO PROCESSO PENAL: QUANDO A PROVA É ILEGAL E LEVA À ABSOLVIÇÃO
Descubra quando o reconhecimento por foto é considerado ilegal e pode levar à absolvição. Entenda o que diz o Superior Tribunal de Justiça e proteja seus direitos no processo penal.
Moura Neto Advocacia
7/26/20253 min read


O reconhecimento de pessoas é uma etapa delicada e de grande relevância no processo penal, podendo influenciar decisivamente na condenação ou absolvição do acusado. Quando realizado de forma adequada, esse procedimento contribui para a investigação e elucidação de crimes. Contudo, o reconhecimento fotográfico, especialmente quando realizado isoladamente e sem observância dos ritos legais previstos, tem sido sistematicamente questionado e até invalidado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Isso ocorre porque ele apresenta risco significativo à confiabilidade da prova e pode violar o direito ao devido processo legal.
De acordo com a jurisprudência dominante do STJ, o reconhecimento fotográfico deve seguir as mesmas regras formais do reconhecimento presencial, conforme disposto no artigo 226 do Código de Processo Penal (CPP). Ou seja, a autoridade policial precisa apresentar ao reconhecedor diversas fotografias de pessoas com características similares, evitando qualquer direcionamento ou indução. Essa prática visa garantir que o reconhecimento seja objetivo, imparcial e respeite as garantias do investigado. Na prática, porém, é comum que o procedimento se limite à apresentação de uma única fotografia, muitas vezes obtida de redes sociais ou fontes não oficiais, o que configura uma afronta direta aos direitos da pessoa investigada.
Um exemplo desse problema ocorreu recentemente em investigação conduzida pela Polícia Civil do Ceará. Em um caso de chacina no bairro Sapiranga, em Fortaleza, a polícia utilizou um catálogo fotográfico para reconhecimento dos suspeitos que envolvia imagens diversas, entre elas uma fotografia do ator Michael B. Jordan, famoso por seus papéis nas franquias “Creed” e “Pantera Negra”. A inclusão dessa imagem em um Termo de Reconhecimento Fotográfico causou grande repercussão e evidencia a fragilidade e o risco de erro inerentes a esse método, uma vez que a simples apresentação da fotografia foi um dos elementos que levaram à apreensão de um adolescente de 17 anos como suspeito.
Em nota oficial, a Polícia Civil do Ceará ressaltou que o reconhecimento fotográfico é “apenas uma das etapas que podem levar ao indiciamento de um acusado” e que a investigação também contou com outras provas técnicas e testemunhais, como depoimentos, perícias em câmeras de segurança e coleta de impressões digitais. A instituição destacou que, desde setembro de 2021, existe uma nota técnica orientando os delegados a seguir normas específicas para os procedimentos de reconhecimento, tanto presencial quanto fotográfico. Esse caso demonstra como o reconhecimento fotográfico, se não rigorosamente conduzido, pode expor o sistema de justiça a erros graves e à contaminação das provas.
No plano jurídico, o entendimento do STJ é firme e claro. Em decisão paradigmática no Habeas Corpus nº 712.781/RJ, o Ministro Rogério Schietti Cruz afirmou que o reconhecimento por simples exibição de fotografia, mesmo quando seguido de reconhecimento pessoal posterior, não pode servir como prova autônoma em ação penal, pois trata-se de ato preparatório e não probatório. Além disso, quando outras provas em juízo como depoimentos da vítima e testemunhas têm origem em reconhecimento viciado, realizado em desconformidade com o artigo 226 do CPP, essas provas se tornam contaminadas e juridicamente inválidas.
O STJ concluiu que:
“Considerando que as provas judicializadas da autoria delitiva (depoimento da vítima e testemunhas) decorreram de atos viciados de reconhecimento por meio de fotografia, em desacordo com o art. 226 do CPP, inexistindo provas independentes do ato viciado, deve ser reconhecida a absolvição.”
Em síntese, quando o conjunto probatório depende de um reconhecimento ilegal ou falho, o processo deve ser extinto com absolvição do acusado, por ausência de prova lícita e suficiente.
Diante desse panorama, a defesa técnica deve analisar criteriosamente a origem e a forma de obtenção das provas relacionadas ao reconhecimento de pessoas. Reconhecimentos fotográficos realizados fora dos parâmetros legais podem ser objeto de contestação via habeas corpus, pedidos de absolvição sumária ou nulidades processuais. Uma atuação estratégica e fundamentada pode ser decisiva para evitar prisões injustas e garantir que o processo penal observe plenamente os direitos fundamentais do acusado.